bárbara schall
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I abismo- o corpo
40 monotipias realizadas durante crises de labirintite e pedras coletadas no entorno da cidade.

tinta gouache sobre papel. 66x50 cm. 2021 -
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Como escrever a partir de um corpo fragmentado? Nesse momento é inevitável que o meu corpo e o que ele carrega se comprometam, se presentifiquem, e mais dos que isso, se voltem a si mesmos.

Recolher as partes espalhadas, como quem junta as migalhas de pão na mesa do café da manhã passando a mão em forma de uma concha que se move: me vejo frente a tantos pedaços que não se encaixam. Não formam uma forma - um corpo fragmentado e sem forma. Entre os fragmentos, espaço vazio, onde circulam os ventos e os ecos, as fronteiras que não se alinham.

Os fragmentos quando empilhados tentando figurar um corpo, como um amontoado uma tanto estranho, não encontram o ponto de equilíbrio, o centro de gravidade mudou denunciando explicitamente que esse conjunto amorfo mal se posta em pé, perde o equilíbrio e cai, desfazendo-se novamente. E nesse cair-remontar, cair-remontar cria-se uma intimidade com o abismo, novas fendas se abrem e aprende-se a caminhar no desequilíbrio do labirinto virado do avesso.

Começo a escutar os ventos e ecos que gritam por entre as frestas dos meus próprios pedaços. O corpo fragmentado vive no delírio do vazio e nos desvios provocados pelas arestas das suas próprias partes.
hoje, eu só sinto o corpo invertido. De ponta-cabeça caminho, pés no vazio, pensamentos no chão. A sensação se impõe até a palavra aparecer. Trabalho pelo gesto, escavando com a boca, palavra a palavra, entre pegadas e mordidas, na procura de alguma coisa que me sustente. Encontro um fio, delgado, e penso: pode um corpo sustentar-se por uma linha?
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